Piscicultura brasileira em expansão: desafios, inovação e oportunidades
Em entrevista ao CFTA, Martinho Colpani, Técnico Agrícola e produtor rural, detalha o avanço do panga no Brasil e o potencial do país para se consolidar como referência em pescado de qualidade.
Em Mococa (SP), o empresário e produtor rural Martinho Carlos Colpani Filho, formado como técnico em agropecuária pelo Instituto Federal de Muzambinho (MG) e graduado em Administração de Empresas pela FUNVIC,, construiu um modelo de negócio que integra sustentabilidade, inovação e visão de futuro. Em entrevista ao Conselho Federal dos Técnicos Agrícolas (CFTA), ele falou sobre os desafios e avanços da piscicultura no Brasil, destacando o papel promissor do pangasius (panga) — espécie que vem conquistando espaço e desmistificando antigas percepções do mercado.
Da tradição à inovação: a força da Colpani Pescados
A Colpani Pescados nasceu do esforço e da coragem da família Colpani em Mococa. Nos anos 1980, em meio a dificuldades na agricultura, eles decidiram apostar em algo novo: a piscicultura. A ideia surgiu ao aproveitar áreas úmidas e brejos do sítio da família, construindo açudes e experimentando a criação de peixes, algo quase inédito no Brasil na época. “Era uma aposta com mais dúvidas do que resultados. Produzir peixe? Quando tem peixe no rio, parecia até piada”, lembra Martinho.
Mesmo diante de incertezas, a família persistiu. Martinho se formou no Colégio Agrícola em 1991 e, aliado ao trabalho de fim de semana na piscicultura, teve a oportunidade de estagiar no CEPTA, em Pirassununga, onde transformou conhecimento técnico em prática. Com essa combinação de estudo e experiência familiar, eles conseguiram destravar a produção de alevinos e dar os primeiros passos de sucesso na atividade.
A transição da agricultura para o peixe não foi fácil: envolveu coragem, esforço coletivo e superação de medos e desafios que afetavam toda a família. “Mudar de atividade é complexo, doloroso e exige união familiar. Passamos por momentos difíceis, mas a determinação nos permitiu construir a base do que hoje é a Colpani Pescados”, lembra Martinho. Hoje, a empresa integra todas as etapas da cadeia produtiva, garantindo qualidade, rastreabilidade e sustentabilidade, resultado de décadas de trabalho, inovação e dedicação familiar.
“Quando você controla todas as etapas, tem qualidade, rastreabilidade e sustentabilidade. Isso é o que o mercado exige hoje”, explica Martinho.
Com manejo responsável e atenção ao meio ambiente, a piscicultura se consolida como uma alternativa sustentável de produção de proteína animal. “O equilíbrio entre produção e meio ambiente é o que garante o futuro da atividade”, completa.
Com essa experiência consolidada em manejo, produção e gestão de toda a cadeia do pescado, a empresa estava pronta para encarar novos desafios e oportunidades — como a introdução do pangasius, o panga, que se tornaria protagonista na próxima fase da piscicultura brasileira.
O panga: um peixe que está mudando paradigmas
Originário do Sudeste Asiático, o pangasius (panga) tem se destacado por seu rendimento e aceitação no mercado. Apesar de carregar uma antiga má fama — fruto de desinformação —, o panga vem ganhando reconhecimento pela sua qualidade e potencial produtivo.
“O panga é um peixe de carne branca, leve e muito saborosa. Ele foi injustamente rotulado no passado, mas isso vem mudando. Quando produzido de forma correta, com manejo técnico e sanidade controlada, é um peixe de altíssima qualidade”, afirma Colpani.
O produtor também destaca a diferença fundamental entre o panga e a tilápia, espécie mais tradicional na piscicultura brasileira. “A tilápia é muito sensível à falta de oxigênio. Se houver uma falha no aerador ou no gerador, você tem poucas horas para agir, ou pode perder todo o lote. O panga, por outro lado, respira ar atmosférico. Ele sobrevive mesmo em condições de baixo oxigênio, o que dá segurança e estabilidade à produção”, explica.
Essa característica fisiológica faz do panga uma espécie mais resiliente e adaptada a diferentes condições de cultivo, reduzindo perdas e tornando a atividade menos dependente de equipamentos de aeração e energia elétrica contínua. Além disso, o peixe apresenta crescimento rápido, excelente conversão alimentar e alto rendimento de filé, o que o torna competitivo tanto no mercado interno quanto no externo.
Brasil x Vietnã: o diferencial do peixe fresco
Maior produtor mundial de pangasius, o Vietnã se consolidou no mercado internacional exportando filés congelados. Martinho destaca que o Brasil tem um diferencial importante: a capacidade de entregar o produto fresco ao consumidor.
“O Vietnã exporta praticamente todo o seu panga em forma de filé congelado. No Brasil, temos a oportunidade de oferecer um peixe fresco, com sabor e textura diferenciados. Esse é o nosso grande diferencial competitivo”, afirma.
Segundo ele, essa vantagem permite agregar valor ao produto e conquistar a confiança do consumidor nacional. “O brasileiro está aprendendo a valorizar o pescado fresco e a reconhecer a qualidade do que é produzido aqui. O panga nacional tem tudo para se tornar uma opção acessível e de alta qualidade para as famílias brasileiras.”
Desafios técnicos e oportunidades de crescimento
Produzir panga em escala comercial exige investimento em tecnologia, manejo qualificado e controle sanitário rigoroso. Mas Martinho é otimista quanto ao futuro da espécie no país.
“É uma espécie que responde muito bem quando o ambiente é adequado. Com água limpa, boa oxigenação e alimentação balanceada, o panga cresce rápido e entrega excelentes resultados. O Brasil tem território, clima e capacidade técnica para se tornar um dos grandes produtores mundiais”, avalia.
Um trabalho orgânico que revela o potencial do panga brasileiro
Martinho reconhece que o crescimento da cadeia do panga é um trabalho de longo prazo, construído de forma orgânica e com muito esforço. Ele destaca que as grandes redes já começaram a oferecer o panga fresco produzido no Brasil, e reforça o convite ao consumidor:
“Comam o panga fresco nacional. É um produto de qualidade, saudável e feito com muito trabalho”, incentiva.
Apesar do entusiasmo, ele também aponta que o setor ainda enfrenta limitações de investimento. “O governo de São Paulo tem sido um exemplo, especialmente por meio do FEAP, que investiu R$ 5 milhões em um projeto nosso com a cooperativa. Mas, para estruturar uma cadeia produtiva de verdade, seriam necessários aportes na casa dos R$ 100 a R$ 200 milhões”, explica.
Para ele, o Brasil tem potencial para se tornar um gigante na produção de panga — desde que haja apoio e visão de longo prazo. “Temos base técnica, profissionais capacitados e um mercado em expansão. Falta apenas acreditar e investir para que essa cadeia alcance a escala necessária”, afirma.
Colpani finaliza reconhecendo que o sucesso depende da soma de esforços em todos os elos da cadeia produtiva: “Da ração ao frigorífico, cada etapa é essencial. O segredo está em fazer bem feito, em cada parte do processo. É isso que sustenta a qualidade e o futuro do pescado brasileiro.”
Peixe pangasius (panga)
O papel dos técnicos agrícolas na piscicultura moderna
Martinho faz questão de ressaltar o papel dos profissionais técnicos no avanço da piscicultura.
“O técnico agrícola é essencial. É ele quem monitora a qualidade da água, o bem-estar dos peixes, ajusta a alimentação e acompanha todo o ciclo produtivo. Sem o conhecimento técnico, não há eficiência nem sustentabilidade”, destaca.
O CFTA reforça essa visão: a expansão da piscicultura depende de profissionais qualificados, capazes de unir ciência, prática e responsabilidade ambiental para garantir a produção de alimentos com qualidade e segurança.
O futuro da piscicultura brasileira
Com o aumento do consumo de pescado e o avanço das tecnologias de cultivo, o Brasil vive um momento decisivo. Para Martinho, o país está diante de uma grande oportunidade.
“Temos tudo para ser referência mundial: água, clima, gente capacitada e um mercado que valoriza qualidade. O panga pode ser a grande vitrine dessa nova fase, mostrando que o Brasil sabe produzir com excelência”, afirma.
Ele encerra com uma reflexão que resume sua visão de futuro:
“Produzir peixe é produzir alimento, e isso é uma responsabilidade enorme. Queremos que o consumidor confie no pescado brasileiro e tenha orgulho de consumir o que é feito aqui.”
Um legado de confiança e qualidade
A história de Martinho Colpani e da Colpani Pescados simboliza a força da piscicultura brasileira que cresce com técnica, inovação e respeito ao meio ambiente.
Com a dedicação de produtores como ele e o apoio de profissionais técnicos qualificados, o Brasil caminha para um futuro em que o pescado nacional será sinônimo de qualidade, sustentabilidade e orgulho.